No País de Seu Cabral
Joilson Kariry Rodrigues
Seu Cabral, um velho marinheiro português, estava perdido quando achou de achar um país novinho em folha. Bem arborizado, de frente para o mar, uma imensidão de litoral que não acabava mais, e melhor: quase sem dono. Ora, pois! Que maravilha! Era só descer da nau e tomar posse. Deus nasceu aqui e decerto passa férias aqui, pensou o velho lobo do mar admirado do seu achado e bendizendo os ventos que o empurraram para aquele canto do oceano. Conta a lenda que o primeiro dizer dele, ainda em bordo, foi: - Bunda à vista!... Quero dizer... É... Terra à vista! Tudo meu, tudo meu... As bundas, acredita-se, eram das nativas. As terras também, mas isso era negociável. De lá para cá nos tornamos o país das bundas. A força do DNA do velho Cabral em nosso sangue nos mantém nessa cultura. Duvidou que as terras do colega Cristovão, mais ao norte, fossem melhores do que aquelas. Ah, isso não era mesmo! Por isso solicitou a um amigo letrado, um tal de Pero, que escrevesse uma carta ao Rei e outra (sob sigilo) ao italiano. A primeira, séria, comunicando o achado, que fora depois adquirido a troco de algumas quinquilharias, e se desculpando pela demora da viagem a Índia. A segunda era só um bilhete tirando um sarrinho de Colombo. Haha... Ninguém é de ferro! O certo é que nem um nem outro achou o novo atalho marítimo para as índias. E que se danasse a Índia de lá, as índias daqui eram mais sexy. (digo ‘eram’ porque já não são mais, foram dizimadas. Mas ainda temos a Juliana Paes que não é índia, mas é boa também) Aqui em tudo se plantando tudo dá, pensou o tataravô Cabral. Mas em se arrancando o que já está plantado dá mais ainda, pesou melhor. E assim foi. Enfim tomou posse das terras. Mudou o nome, porque Pindorama não era lá um nome muito adequado e exigiu, como parte do acordo de aquisição, que os antigos proprietários trabalhassem (forçado) para o desenvolvimento do novo país. Ah, que isso não deu certo não. Se seu Cabral não queria trabalhar, os índios muito menos. Logo um pajé esperto fez um acordo com os jesuítas: em troca da proteção converteriam todos ao catolicismo. E pode ter sido esse mesmo pajé quem sugerira que fossem buscar guerreiros negros na África para realizar tal mão de obra. Como todo posseiro que se preza seu Cabral foi aos poucos empurrando sua cerca para dentro das terras do vizinho, os espanhóis. Estes eram vizinhos lá, vizinhos aqui, parecia uma maldita perseguição. Os otários acreditaram num tal Tratado de Tordesilhas... Hahahaha. Daí para cá nos tornamos o país dos espertos, 171 tremendo. E ele só não avançou Argentina adentro porque não queria o Maradona na seleção brasileira, dizem. E se tivesse abocanhado também a Venezuela o Huguinho era bem mais que só sobrinho do Donald, era oposição ao Luizinho. (ou aliado, sei lá...) e a família do pato estaria completa se juntassem a um Zezinho qualquer (... o Dirceu ou o Genoíno). Daí talvez fosse mais fácil enfrentar Napoleão e deixar que a família Real ficasse por lá mesmo. Com Napoleão nos calcanhares o velho Cabral teve que correr acovardado e fixar moradia por aqui de vez. Até que não foi de tudo tão ruim assim. Era só fingir que aqui era lá, só que mais quente e com mosquitos. Divirta-se matando índios, distribuindo chicotadas nos negros e enforcando dentistas radicais e nem vai sentir saudades das terras civilizadas. Já que ia ficar por aqui mesmo seu Cabral cortou de vez os laços com os patrícios portugueses. Mas deu uma cochilada e perdeu o controle. Assim perdeu também um bom pedaço de terra lá no sul. Os cisplatinos, só para contrariar, deram ao velho Cabral o mesmo gostinho que ele dera aos portugueses. Hahahaha... Essa eu gostei! Gostei, mas me calo decepcionado com os cisplatinos. Esses caíram no conto do velho português e juntos com a seleção argentina foram tentar abocanhar as terras do Paraguai. Que coisa feia! Por que não decidiram essa parada no Maracanã? Apesar de tudo o novo país de seu Cabral ia bem, obrigado. Mas dava um trabalhão danado administrar isso tudo. Então o velho teve uma idéia: alugaria o país. E, apesar disso aqui ser um negócio da China, foi aos Ingleses que ele entregou, de porteira fechada. Os ingleses forçaram a libertação dos negros (como eram bonzinhos!). O pajé, que havia sugerido que escravizassem os africanos, tremeu de medo achando que agora era a vez dele trabalhar. Agarrou-se a um crucifixo e jurou que era católico. Foi eliminado com o Cristo nas mãos e Tupã no coração. Importaram então mão de obra italiana e japonesa. E a senzala inteira sorriu aliviada, saboreando a desforra. Agora era a vez dos brancos e amarelos trabalharem. Mas não foi bem assim não. Os importados ganhavam para trabalhar. Que merda! O suor do africano só tinha valor se fosse derramado de graça, misturado ao sangue das chicotadas. Quando chegou a vez de faturar chamaram os gringos.